vencedores

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27 de dezembro de 2011

7ª Edição - 2011 - Andréa del Fuego

A Fundação Círculo de Leitores convidou a mais uma edição do Prémio Literário José Saramago na sua sede, em Lisboa, no dia 25 de outubro de 2011. Uma sessão a contar com a presença do Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas. 

Esta foi a primeiro cerimónia de entrega do Prémio Literário José Saramago a não contar com a presença do nobel da literatura. Pilar del Rio fez notar a sua ausência, mas também como Saramago teria gostado  de conhecer a vencedora deste ano, Andréa del Fuego autora d'Os Malaquias.


Pilar del Rio, Andréa del Fuego e Nélida Piñon.


O Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.
 

O júri da 7ª edição do Prémio Literário José Saramago.
 

Guilhermina Gomes, Paulo Oliveira, Francisco José Viegas, Andréa del  Fuego, Nélida Piñon e Pilar del Rio
 
Andréa del Fuego em estado de graça....


Comentários
Ana Paula Tavares
(júri)

«Antes do amanhecer a água mudou o tato das coisas. Um vento sob a represa que a superfície, disfarçava, o chão soltando ar, as plantas ficando de lado, aconteciam peixes.»
Os Malaquias, p.117

Há um mundo primevo neste Os Malaquias de Andréa del Fuego, uma proposta de atravessar o tempo para descobrir as teias de um passado onde se apropria das falas e do conhecimento que lhe permitem nomear os seres que habitam a narrativa com voz própria para contar a vida vivida, a vida sonhada. Há em cada personagem do livro um passado que funciona como razão de um presente que o aprisiona e impele para um mundo onde se resolve a condição de estar vivo. Serra Morena é o lugar onde se chega para encontrar as origens e perceber que uma família se faz das intrincadas alianças que ultrapassam o mero parentesco mas também o lugar encantado onde tudo ganha forma nos misteriosos caminhos da escrita que se afeiçoa a revelar ao leitor as mil maneiras de viver e morrer dos Malaquias. Do outro lado o vale “onde quem vai, se volta, volta virado” (p. 154), que se prolonga numa sucessão de espelhos “o outro lado do vale era outro vale” (p. 163), como a palavra escolhida precisa e encantatória de Andréa del Fuego. Todas as famílias têm uma história, mas poucas servem esta tensão da escrita com o seu sistema de referências requintado e próprio da arte do romance. Os Malaquias dão-se a conhecer num intrincado jogo que a escrita controla e refaz. O resultado é misterioso mas absolutamente fascinante.


Nélida Piñon
(júri)

Os Malaquias é um romance áspero, poético, original. Voltado para a paisagem rural, a que raramente os autores contemporâneos se circunscrevem, seu perfil arcaico e trágico suscitam emoções intensas.
Oferta-nos uma leitura da qual não se sai incólume, cada capítulo traçado para nos perturbar. Uma criação que, enquanto avança, sem pausa que nos console, distancia-se dos intimismos, dos individualismos exacerbados, do falso cosmopolitismo que ora pauta a produção urbana. Como se estivera a autora centrada em retratar a injustiça e a crueldade de que somos forjados.
Graças, pois, ao inusitado vigor de sua narrativa, Andréa del Fuego, autora de Os Malaquias, merece o prémio Saramago 2011, talhado para o seu talento.

Vasco Graça Moura
(júri)

Em Os Malaquias, a brasileira Andréa del Fuego transfigura numa impressiva obra de ficção a cruel banalidade da existência de três desgraçados irmãos órfãos, nascidos no rude ambiente de uma fazenda da Serra Morena, e que a vida separa desde muito pequenos. A escrita surpreende insuspeitados recursos de estranheza na coloquialidade quotidiana e desenvolve-se num ritmo muito seguro, perturbante e por vezes quase alucinatório. Não sendo propriamente afim dos processos de encadeamento da oralidade praticados por José Saramago nos seus romances, esta atenção à fala, às suas inflexões e às modalidades dos seus registos populares, acaba por redundar numa homenagem importante ao patrono deste prémio.


Nazaré Gomes dos Santos
(júri)

Se a autora mistura “natureza humana e natureza-natureza”, essa “transrealidade” é vital, antes de mais porque é comunitária, ou seja, são personagens com situação familiar e social claramente definida. Mas também são personagens feitas de uma luminosidade e única individualidade, iluminadas por dentro, através de uma invenção de linguagem que, como também já foi sugerido, reúne as palavras mais inesperadas. Mais: linguagem enraizada numa memória tão coletiva como individual, sem concessões regionalistas, sem retórica sentimental.
Enfim, nesta obra-prima de renovação originalíssima do romance brasileiro, simbiose perfeita de tradição e modernidade, cada episódio, cada personagem tem sentido, ou seja, “é alinhavado” “como água que se assenta depois da queda”.
Maria de Santa Cruz
(júri)

Jovem e muito antigo, o Discurso de água e fogo d’Os Malaquias (mensageiros) formula uma oblação quase pura, oferenda sacrificial de renovada fé na fertilidade da terra e na vida familiar e comunitária. A escritura del Fuego, enviada anunciadora, acompanha essa necessidade de crer no enraizamento dos elementos no e do Corpo humano-e-vegetal, seus afetos e humores num tempo cíclico de desastre e colheita em que convivem, com graça, as gerações do passado e do futuro. Inovação semântica e simples clareza da frase curta e direta. Esta re-criadora parece cruel e injusta como os deuses que, na sua ambiguidade, se permitem renegar uma de duas oferendas. Inusitado, originalíssimo. Tradicional e atual. Seiva exemplar, sem pretensões.

Manuel Frias Martins
(júri)

Este é um romance que narra a história de três irmãos cedo desassossegados pela morte dos pais por um raio e logo a seguir inscritos num universo de vida rural ou de Fazenda brasileira. Através de uma narrativa ritmada por cenas itercadentes de vida, relativamente autónomas na economia global do romance, onde convivem candura e alguma violência, e no registo estilístico de uma linguagem tremendamente seca e austera, Os Malaquias vai objetivando situações tão concretas no seu realismo que o tempo do romance se mede sobretudo pelo tempo das próprias personagens que nele ocorrem e pela transparência líquida que as identifica.